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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Lula e Dilma despacharam o neoliberalismo do Brasil


Decididamente, Dilma!

No meu modo de ver, a superioridade de Dilma sobre Serra é notória e vertiginosa. A primeira razão – razão substancial – é que ela tem, fazendo parte do governo Lula, uma visão e uma proposta de Brasil mais ampla e mais brasileira do que Serra. Seu papel como ministra da Casa Civil foi essencial para o sucesso do atual do governo.

Em que ponto? Em verdade, ela foi uma espécie de Super-Ministro do Planejamento. Logo de saída, deu ordenação e coerência nas obras dos diversos ministérios. Deu unidade e tornou denso o trabalho do governo. Pois, antes de Dilma, as pernas estavam para um lado, os braços para outro, a cabeça jogada lá diante, e os calcanhares e os pés andavam sozinhos pela Esplanada dos Ministérios. Tudo existindo, mas, todas as partes dispersas.

Uma espécie de diáspora do governo Lula. Dilma fez como os mágicos: agregou um cenário ao conjunto e reuniu tudo num corpo só. E surgiu daí a envergadura do governo Lula. Era o que o político Lula precisava. Tinha que vir alguém que soubesse organizar as peças do governo numa cara de governo. Precisava de um ministro que planejasse e coordenasse as ações para que Lula se tornasse o estadista. E ele o foi. E é.

Assim, no final do Lula I, a população já tinha se dado conta que todo um projeto estava organizado: aumento de salário mínimo consistente, Bolsa Família, crédito consignado, ProUni. E Dilma, vindo do Ministério de Minas e Energia acrescentou o que faltava: Luz para Todos. Isto depois da secura e dos apagões dos anos neoliberais de FHC e Serra, onde grassava a hemorragia da privatização, a volúpia desastrosa da dívida, o crescimento ralo do PIB (média de 2,2%), o crescente desemprego, o empréstimo “fraternal” Clinton-FMI, a decadência da infra-estrutura, etc. Ruth Cardoso é quem forçava os programas sociais que estavam soltos dentro do governo de FHC (Não nos esqueçamos das palavras caniculares e afrontosas de Sérgio Motta sobre “Comunidade Solidária” da Dona Ruth: “Essa masturbação sociológica me irrita porque não chega a nenhum resultado”. 1995. Que diria em 2010 do sociológico sucesso total do governo Lula?).

O Luz para Todos. Se pensarmos bem foi um dos grandes projetos de Dilma. Pense o leitor e imagine. Na época, discutia com um amigo e lhe disse: “Ah, você acha que esse é um programa banal, é? Faça o seguinte, você que é classe média: apague as luzes da sua casa e fique uns 15 dias sem luz. Pense como será o seu dia; pense, sobretudo, como será a sua noite. Você está na Idade Média. São 15 milhões de pessoas que viajaram 500/600 anos”. E não deu outra. Lula apesar dos grandes ataques do Mensalão, conseguiu uma vitória espetacular naquela eleição de 2006. Dilma botou a sua parcela de votos na cesta eleitoral de Lula. Só isso já seria bastante para consagrá-la: dar coerência ao governo e apoiar a população a ter um melhor padrão de vida.

Mas, o grande lance veio a 22 de janeiro de 2007, logo depois da vitória de Lula, no Lula II, o lançamento do PAC. Fiquei tão entusiasmado que escrevi imediatamente um artigo: “DA ESTRATÉGIA DO INVESTIMENTO NASCEM AS NAÇÕES”, datado de 29 de janeiro de 2007 e publicado em Indicadores Econômicos FEE, vol. 34, nº 4, março de 2007.

Mas, qual o motivo do entusiasmo? Era como dizemos, nós os gaúchos: “o tal de PAC”. E o PAC, disse Serra, “era uma lista de obras”. Não sejamos tão apressados na conclusão, vamos pensar um pouco. Sim, o PAC tinha uma lista de obras, alguns projetos com dificuldades para sair do papel, inclusive, vimos depois, por briga entre empresas. Mas, isso é ver pouco, é ficar com o olho grudado no chão.

Vamos fazer um contraste, a diferença entre o projeto econômico de Lula e o de Fernando Henrique. O governo de FHC tinha sustentado um modelo financeiro de acumulação. A jogatina das finanças dava um falso ar de festa. FHC e Serra continuaram a crise produtiva de 1982 e terminaram o século e entraram no século XXI sem investimento. Tudo se pautava pela multiplicação dos pães miraculosos dos títulos financeiros públicos e privados. Na verdade, não eram pães, era papel que rendia dinheiro e não dava emprego.

Eles construíram um Estado que chamei, em outros textos, de Estado Financeiro, onde o núcleo da sua estratégia se pautava numa política econômica peculiar, uma “política econômica reduzida”. Só se pensava em moeda, câmbio, taxa de juros e contas públicas. Não havia política industrial, política agrícola, política agrária, política tecnológica, política de rendas, etc. Tudo ficava para o mercado. O Estado só se preocupava com a acumulação financeira. E houve um abandono melancólico e desesperado, dostoievskiano, do investimento. Deu-se um investimento raquítico e tudo ia para o circuito financeiro. E é nesse ponto que surge o PAC, para quebrar o cassino brasileiro.

Não fiquemos na idiotice empírica, a lista de obras. O grande do PAC foi o gesto simbólico, imponente, maior, um gesto estratégico. Um toque de reunir dos empresários com uma forte declaração do governo: O FUNDAMENTAL DE UM PAÍS É O INVESTIMENTO.

O velho Keynes veio do Além e conversou com a Dilma, o Lorde sabia das coisas: “Dilma, joga as tuas fichas no investimento”. Vejam caros leitores, não tinha havido ainda a crise financeira americana e mundial. O Lehman Brothers não tinha falido. O Lorde sabia por que nos anos trinta ele tinha escrito e batalhado por isso, pelo investimento. A especulação financeira estava matando o Brasil. E o que fez Dilma? Fez mais que um programa, fez um ato político da maior transcendência. No meio do neoliberalismo, com o barco das aplicações financeiras velejando a todo vapor para o boom, que vai desabar logo em seguida, ela ousa. E Lula? A apóia vigorosamente. E o investimento viaja mar afora, o mar que vai, mais tarde, nos levar ao Pré-Sal. Fernando Pessoa falava do mar português; com a Petrobrás o mar pode ser brasileiro. E então vamos para o investimento.

Mas, este ato político de Dilma trouxe mais duas coisas decisivas – e fundamentais. Ela estava dizendo de forma magistral que havia uma inspiração no pensamento econômico brasileiro na hora e a vez do PAC. Veio na herança de Celso Furtado, de Ignácio Rangel, de Maria da Conceição Tavares, E de todos outros economistas nacionais que são “desenvolvimentistas”. Qual o ensinamento? É preciso recuperar o ESTADO, é preciso recuperar a nossa capacidade de PLANEJAMENTO.

Que coisa bendita, poder ser herdeira de uma grande corrente, da corrente que veio construindo e lutando pelo Brasil, desde os anos 30. Mas, o PAC não passou apenas esta mensagem. Tinha mais coisa. Para muitos, foi um capricho de Lula pôr Dilma como candidata a presidente da República. Nada disso, descrentes brasileiros. Não, Lula, viu tudo; viu tudo porque também se beneficiou deste vigor de pensamento de Dilma. Um ESTADO para ser forte tem que ter instrumentos para realizar o seu projeto e sua estratégia. E aí que o PAC mostrou a arma engatilhada desde sempre.

O PAC trouxe para o núcleo estratégico do governo a filha pródiga, a filha dileta, a filha por quem a nação tinha lutado. A Petrobrás. A campanha “O Petróleo é nosso” é uma memória histórica tão forte, tão contundente, tão brasileira, tão nossa, que impediu que FHC e Serra vendessem a Petrobrás. E o gesto de Dilma na época do Programa de Aceleração do Crescimento, pouca gente entendeu. Ora, para quê trazer, para dentro do PAC, a Petrobrás que já tinha um programa avantajado de investimentos?

A miopia neoliberal não permitiu às pessoas enxergarem que o PAC era um fabuloso gesto simbólico e político, do qual falamos antes, e que trazia para o centro estratégico do governo um verdadeiro núcleo de acumulação. E quando veio a descoberta do Pré-Sal, a cabeça oca de muita gente “explodiu de lucidez”, como dizia meu colega Galeno da UNICAMP. Perceberam que o Pré-Sal iria encadear um conjunto de indústrias, todas investindo adoidado. E, principalmente, dentro de um programa que assegurasse às empresas um conjunto de obras. Uma demanda garantida. Na verdade, o sonho de todo empresário. Basta ouvir o presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, para ver o gigantismo do projeto, da riqueza que temos pela frente, das possibilidades de aumentar o índice de nacionalização da cadeia produtiva. O mundo do investimento – o futuro – voltou a reabrir-se para o Brasil. E tudo veio da audácia do Governo Lula de ir contra o neoliberalismo, de buscar novamente o investimento e o emprego e desenvolver a riqueza brasileira. E Lula encontrou em Dilma o talento para continuar a sua obra: despachar o neoliberalismo, “bye, bye, forever”. E com esse lance, retomar o baú de riquezas nacional: desenvolvimento com distribuição de renda.

DECIDIDAMENTE, DILMA!

Artigo do economista Enéas de Souza, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística, FEE/RS.

3 comentários:

arkx disse...

decididamente, a blogosfera brasileira se tornou a contraface da grande mídia: enquanto esta se desmoraliza diariamente em sua grotesca campanha contra Lula, a blogosfera parece ter sido abduzida pelo governo (alguns estão sendo polpudamente compensados, mas não é o caso deste blog “Diário Gauche”)..

nada pode ser mais neoliberal que o governo Lula, em todos os seus fundamentos: desde a alta taxa de juros, passando pelo elevado superávit primário, as metas de inflação e o câmbio flutuante - e findando nas políticas sociais (como o Bolsa Família) compensatórias para mitigar os efeitos de uma macroeconomia incapaz de gerar desenvolvimento e muito menos inclusão social.

todos, absolutamente todos, os dados estatísticos dos quais o governo Lula se ufana são resultado de distorções e omissões para que o marketing político lulismo oculte uma realidade que lhe é desfavorável: o crescimento é medíocre, a inclusão social é compensatória e não efetiva, o Real é a moeda que mais se apreciou desde 1983, o subemprego aumentou, a economia se desindustrializa voltando ao patamar de 1947, a exportações se reprimarizam, a vulnerabilidade externa persiste.

a festejada “nova classe média” lulista nada mais que resultado de manipula,ao grosseira de análise de dados: com renda residencial de R$ 1.126, nada mais que apenas 2 SM, já se faz parte da Classe C lulista!

do mesmo modo, uma queda da miséria que considera como linha de pobreza ¼ do SM per capita. ou seja, segundo os parâmetros do lulismo, com 1/3 do mínimo já se está fora da “pobreza” e da “miséria”.

talvez Lula tenha sido algum dia um socialista, mas agora é um discípulo de Margaret Thatcher...
.

Pensamento Consciente disse...

Excelente artigo do Enéas de Souza. Sem pedir autorização, antecipei-me, copiei o artigo e encaminhei a todos de minha lista.

Anônimo disse...

eu ri quando li este artigo.

O governo lula é NEOLIBERAL (menos mal, esquerda ninguem merece). O que lula mudou na politica economica de FHC? NADA! NADINHA! FHC preparou o terreno para a prosperidade atual, lula apenas deu continuidade. Esse blog é uma porcaria, só tem besteiras aqui, por acaso alguem paga para voces escreverem isso? Eu hein, ignorancia tem limites.

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