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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

terça-feira, 20 de maio de 2008


Reencenar 1968 como se nada tivesse acontecido de lá para cá é simplesmente reacionário

Road movie 1968

"Sem Destino", de Dennis Hopper, é o símbolo do road movie, o filme pé na estrada, na sua versão 68. Entre muitas coisas, porque mostrou que o esperanto dos 1960 - a música - podia virar imagem sem perder demais em força explosiva.

O seu conflito fundamental era entre um mundo fixo e imóvel e o peregrino que não cabia nele. Um mundo de profissões com perfis nítidos, de família e residências fixas, de empregos estáveis. Em meio a guerras, revoluções e conflito de superpotências, essa era pelo menos a imagem de uma estabilidade prometida.
Nesse mundo, o outsider 68 era um rebelde simplesmente porque não parava quieto no lugar. Não tinha rumo, ponto fixo, família, trabalho ou profissão determinada.

Hoje, a mobilidade constante e a comunicação instantânea são trivialidades do cotidiano. O desemprego é crônico, e as denominações profissionais perderam sua nitidez. Famílias se decompõem e se recompõem das mais diversas maneiras.

Um filme como "Onde os Fracos não Têm Vez", dos irmãos Coen, conta como começou esse declínio.
Retoma muito do road movie 68, mas não é por acaso que não tem trilha musical e que seu peregrino é um assassino profissional. Já o título do filme de Sean Penn ("Into the Wild", "Na Natureza Selvagem") é uma resposta à canção de abertura de "Sem Destino", "Born to Be Wild" ("Nascido para Ser Selvagem"). A natureza selvagem está dentro de nós. E a trilha de Eddie Vedder tenta reatualizar a união de música e imagem dos 1960 para dizer isso. Mas seu sentido é outro.

A rebeldia não é desafio direto ao mundo estabelecido, mas busca de um "si mesmo" obscurecido pelo tumulto da vida. A rebeldia não está em mudar o mundo, mas em mudar a si mesmo contra um mundo que impõe padrões predeterminados para se levar a vida.

Como a maior dessas imposições, o trabalho é cada vez menos realização pessoal e cada vez mais um meio para "se virar" e cuidar das coisas que realmente importam. O que quer que isso signifique para cada pessoa.

É fácil dizer que essa nova idéia de rebeldia é apenas ilusão porque não altera as estruturas. Isso é certamente verdade: as pessoas são tão móveis e flexíveis quanto o capital. Mas também desconfiam de grandes transformações tanto quanto do próprio capital.

É fácil dizer que essa rebeldia é apenas expressão de um individualismo extremado. Isso também é verdade: cada qual vem antes de todo mundo. Mas se mudança vier, virá com esse novo indivíduo e não contra ele.

Reencenar 1968 como se nada tivesse acontecido de lá para cá é simplesmente reacionário.

Artigo de Marcos Nobre, professor do Departamento de Filosofia da Unicamp, publicado hoje na Folha.

8 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

Concordo integralmente, a rebeldia de 68 foi fundamental para as mudanças comportamentais que explicam o mundo ocidental de hoje. É salutar que isso tenha ocorrido, mas o outsider de ontem virou o insider de hoje. Tudo se sistematizou, ingressou dentro do sistema, da estrutura, se padronizou, se adequou. São mudanças que foram assimiladas pelo contexto e pela padronização. 68 foi um movimento que se standartizou.

Anônimo disse...

Rebeldia não é um objetivo em si mesmo. Não é um fim, mas um meio de manter a utopia viva.

armando

Carlos Eduardo da Maia disse...

Depende do que você chama de utopia, Armando. Se a utopia foi o que aconteceu no socialismo real, não se trata de utopia, mas de grande pesadelo. Se utopia é o socialismo real da dinastia Castro em Cuba, também estamos diante de um sonho mal dormido. Se a utopia é Chávez que (se provou) financia as FARC, que sequestra inocentes, é aliada do narcotrafico ( e isso não é invenção), estamos definitivamente mal de utopias. Acredito num mundo melhor e possível, mas bem distantes desses pesadelos que alguns entendem que se trata de utopia.

Anônimo disse...

Utopia é achar que o capitalismo é o fim da história.

Já dizia Zizek.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Utopia é achar que mercado não é fato social.Mas também não é deus.

Anônimo disse...

Maia,

Achar que mercado pode ser um fato social, não é Utopia não. Êle "É" quando muito um fato economico. Um fator economico real e muito forte; para os neoliberais se não Deus, um ente sagrado e muito "milagroso", já que é citado como a solução para todos os problemas economicos, sociais e religiosos.

Aliás o teu armazem continua vazio, muda de negócio...

Claudio dode

Unknown disse...

Nao concordo, o "outsider" de ontem nao virou o "insider" de hoje. O "outsider" de ontem continua sendo "outsider" hoje. A diferenca e' que hoje o imaginario a que estamos submetidos e' muito mais pobre, haja vista a tal de "arte moderna"! E a musica dos 60 era muito, mas muito melhor!

Anônimo disse...

"O que quer que isso signifique para cada pessoa." As dualidades maniqueístas dos anos 60 eram muito mais vísiveis. Hoje é muito paradoxal falar em "out" ou "in" porque não existem as fórmulas pré-estabelecidas de bem e mal. Mudar o mundo não está na ordem do dia, porque para o jovem que tem a possibilidade de fazê-lo, essa discussão é menos importante que o BBB!


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