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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quarta-feira, 7 de novembro de 2007


Reich e o supercapitalismo


Robert Reich foi secretário do Trabalho de Bill Clinton (lá, é como ministro no Brasil). Deu uma entrevista muito franca e esclarecedora sobre o papel social das empresas hoje, à revista Exame (grupo Abril), que está nas bancas. Reich diz que "as empresas só existem para dar lucro", e que é conversa fiada esse papo do "movimento de responsabilidade corporativa". Leia a entrevista na íntegra:

Revista Exame - Na economia que prevalece hoje no mundo, que o senhor batizou de supercapitalismo, não há empresa socialmente responsável ou virtuosa?

Robert Reich - Não. Empresas não são pessoas. Elas não têm uma bússola moral e existem para um único propósito: oferecer boas oportunidade para os consumidores como forma de maximizar o lucro para os acionistas. Esperar que elas façam qualquer coisa que não seja isso é acreditar numa ilusão.

Estamos então sendo enganados pelas empresas?

É claro. As empresas gastam milhões em relações públicas e passamos a acreditar que elas têm personalidade, que são boas ou más, que são instituições criadas para atingir fins públicos. Elas não são. Na prática, elas estão dando passos muito pequenos e não vão sacrificar o retorno aos acionistas em prol de um bem social.

Então o movimento de responsabilidade social é uma falácia?

Esse movimento distrai as pessoas do problema real e mais difícil, que é limpar e aperfeiçoar a democracia. Shows de responsabilidade corporativa levam os cidadãos a acreditar que os problemas sociais estão sendo endereçados e que eles não precisam se preocupar em fazer com que a democracia funcione e dê respostas para os dilemas. Eu não tenho objeções às ONGs pressionarem uma ou outra empresa para agir de certa maneira. O que elas não devem fazer é achar que essas pressões são substitutos para leis e regulamentações. As doações e os serviços sociais prestados pelas empresas, por exemplo, não devem substituir aqueles que os governos de nações que se julgam avançadas devem prover à população. Quando políticos louvam ou culpam companhias, eles dão ainda mais fôlego para essa noção equivocada.

Como assim?

Google, Microsoft e Yahoo tiveram de se apresentar a um comitê parlamentar no ano passado por terem ajudado a China a reprimir os direitos humanos. Os deputados criticaram ferozmente em público os executivos, mas não fizeram nada mais. A população foi levada a acreditar que alguma coisa aconteceria. O que os políticos deveriam e poderiam fazer, se realmente quisessem mudar o comportamento dessas empresas, era passar uma lei proibindo as companhias americanas de cooperar com a China.

Apesar das críticas de hoje, o senhor já foi um entusiasta da responsabilidade social corporativa. O que o fez mudar?

Pregava essa doutrina antes de o mundo entrar no supercapitalismo. Há 35 anos era possível que uma companhia fosse socialmente responsável porque seus presidentes tinham muita autonomia. Hoje eles não têm mais. Empresas que lá atrás eram reconhecidas por sua ação socialmente responsável, como The Body Shop e Levi's, foram atropeladas pelo acirramento da competição e perceberam que não podiam se dar ao luxo de sacrificar o lucro em prol de uma causa social.

E hoje o senhor defende empresas como o Wal-Mart ...

O Wal-Mart [que controla os super-mercados BIG e Nacional, no RS] já foi alvo de muitas críticas, porque paga salários baixos, espreme fornecedores e destrói o pequeno varejo. Mas a empresa está simplesmente sendo conduzida por consumidores -- que querem pagar o menor preço possível pelos produtos -- e por investidores -- que querem ganhar mais a cada trimestre. O Wal-Mart segue as regras do jogo.

No Brasil, de acordo com pesquisas, há muita expectativa dos cidadãos em relação às empresas resolverem questões sociais. Qual sua opinião sobre isso?

É um mito perigoso esse de que as companhias vão resolver problemas sociais por conta própria. A não ser que elas sejam induzidas ou forçadas. Por que o fariam? Elas fazem apenas o mínimo para garantir sua reputação. Se os brasileiros estão desiludidos com a falta de habilidade do governo em fazer o que precisa ser feito, eles precisam concentrar seus esforços diretamente no governo. As empresas não vão preencher as lacunas sociais do país.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pois é. Precisa alguém de dentro do sistema para dizer que a m... fede. As regras do jogo são claras: "nada substitui o lucro", às custas de exploração do trabalhador, terceirização, quarteirização, rotatividade controlada, flexibilização das leis trabalhistas, etc.

E querem o Estado mínimo...

Anônimo disse...

Essa fdp pelo menos é sincero, a sinceridade do protestantismo, ao contrário do nosso "homem cordial" brasileiro.

Carlos Eduardo da Maia disse...

A priori não é finalidade da empresa preencher lacuna social. Ela tem que prestar serviços, gerar seus empregos e pagar seus impostos e ponto final. E as grandes empresas hoje elas são controladas por diversos investidores e, sobretudo, os fundos de pensão de trabalhadores que contratam gestores para gerir essas empresas com a finalidade de obter mais lucro e, também, para que haja a necessária transparência e controle. Hoje o controle acionário de uma grande empresa é fragmentado, é diluido, é muito mais complexo do que na época em que se acreditava na religião da luta de classes.

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