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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

domingo, 2 de setembro de 2007


Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
"- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
- Um colar... - Conto e quinhentos!!!
Más nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!

De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

Mário de Andrade
(Em Paulicéia Desvairada, 1922)

Óleo sobre tela de Tarsila do Amaral, 1927. Tarsila e Mário ajudaram a fazer a Semana da Arte Moderna de 1922, que deu início ao movimento modernista no Brasil, com novos conceitos de artes e buscando uma perspectiva genuinamente brasileira para as nossas expressões artísticas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Será que a experiência brasileira recente demonstra que o ciclo modernista está encerrado? Será que a profusão de "picapes" que singram (ou sangram) nossas vias não seria uma retomada do poema modernista? Será que o País regrediu ao período pré-modernista, agora sob a égide do ciclo do bio-diesel? Será que estamos deixando de ser uma sociedade economicamente complexa para retomar a "hegemonia" de uma mercadoria de exportação? Onde anda a força que produziu a semana modernista, o cinema novo e a tropicália? Por que a nossa burguesia é tão medíocre? Por que estamos vivendo um período politicamente tão depressivo? Questões de um domingo chuvoso e pré-cerveja (ou vinho).

Carlos Eduardo da Maia disse...

A burguesia somos todos nós que temos condições de conectar à internet e tempo disponível para postar mensagens e ler a obra de Marx. O Jorge é a elite que reclama de estômago cheio, apenas porque sua religiosidade não está em voga. Ele faz parte da mesma elite intelectual do Feil, minha e do sociólogo que não é pigmeu. O Armando também faz parte dessa mesma elite que gosta de consumir os produtos alternativos que o mercado oferece.

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